sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A campanha #EleNão e o Ressentimento


A moral da autonegação

Todos temos visto a campanha #elenão, aparentemente iniciada pela esquerda, ou pelas (assim chamadas) feministas. Mas antes de meditar sobre o "ele", ao qual o texto faz referência, convém perguntar: ao que as feministas diriam “sim”? A princípio, supostamente haveria um 'algo', capaz de atrair sua preferência: um Lula, uma Dilma, uma ideologia de esquerda, qualquer outra opção que agora esteja fora de alcance.
A campanha #elenão sugere, em parte, um certo conformismo. O conformismo de quem sabe que aquele objeto ideal que desejava não poderá mais ser alcançado. Que alguma coisa diferente pode, e provavelmente virá em seu lugar.
Por outro lado, esse é um conformismo que encontrou o seu limite. Diante desta circunstância, ele nos diz que tudo o mais é aceitável,  todo o resto pode suportar, menos o... "ele". Mas quem é "ele"? Há por detrás do #elenão uma inquietação presente, uma relutância, um sentimento de pavor, diante de algo que não deseja nomear. Esse objeto pavoroso nada mais é do que o reconhecimento de um antagonismo máximo.
A campanha #elenão é o sentimento de quem reconhece no que se aproxima a afirmação do seu oposto. Porque se tudo o mais é aceitável, menos “Ele”, é porque "nele" se reconhece a realização do seu antípoda. Numa palavra: "nele" se reconhece a forma da morte; não concretamente, não fisicamente. Trata-se aqui da realização da morte conceitual e simbólica. É o sentimento de que se chegou à última fronteira. 
E uma vez que a esquerda não possui mais nada que possa afirmar, nada a que possa dizer 'sim', resta somente aquilo que ela pode negar. A campanha reflete aquilo que Nietzsche chamou de "princípio reativo".
Para Nietzsche, a moral de um povo (ou de parte dele) pode ser regida por dois tipos de princípios: o princípio ativo e o reativo. O princípio ativo parte de uma espécie de força, uma certeza interna, um autoconhecimento que permite identificar suas virtudes e afirmá-las corajosamente diante do mundo exterior. É um impulso que parte de dentro pra fora. Por isso é enfrentamento, combate, afirmação, potência.
Já o princípio reativo não possui esse “olhar para dentro de si mesmo” como causa motora. Trata-se primeiro de um “olhar para fora”, para o outro, para aquilo de que não gosta no outro. Para esse “olhar para fora”, ele diz o seu “não”, e somente a partir do outro ele reconhece e toma contato com a sua individualidade. No princípio reativo não há afirmação de uma certeza interna, apenas a negação do outro. Por isso, nada almeja construir, pois nele não há uma potência a se realizar. Nada almeja alcançar, pois objetivos e sonhos são para aqueles que reconhecem em si mesmos a sua própria potência. Apenas almeja desfavorecer o outro, destruir aquilo que considera uma ameaça. Por isso tais indivíduos já embarcam na sociedade em conflito; não o conflito saudável, do contraponto, transformador, mas o conflito da fraqueza, porque oriundo do ressentimento.
E o ressentimento tem sido a tônica dos governos de esquerda até aqui, pois somente dominados por ele, e dominando outros através dele, pôde promover a divisão da sociedade que temos observado nos últimos tempos: conceitos como dívida histórica (ressentimento de raça), machismo x feminismo (ressentimento entre os sexos), elites x pobres (ressentimentos entre as classes sociais). O Ressentimento tem sido, a um só tempo, uma descarga de afetos reprimidos e estratégia de dominação, separando na verdade a sociedade em dois grupos: o dos culpados e o dos ressentidos.
A campanha #elenão é o último suspiro de desolação dos ressentidos que estão agora desamparados; não há mais partido que possa abraçar suas causas revanchistas, nenhuma narrativa confirma agora seu vitimismo. A campanha #elenão é o autoabandono dos Ressentidos Históricos, os mesmos que precisam da anuência das suas vítimas (os devedores históricos), para poderem realizar a estranha proeza de oprimir ao vitimizar-se; os proponentes das ideias de "dívida histórica", para assim poderem se tornar os "credores históricos".
Ao fim, o #elenão imita o mesmo comportamento da Esfinge, na peça grega Édipo Rei. Ao ter o seu enigma resolvido por Édipo, nada mais lhe resta, a não ser lançar-se no abismo. A esquerda e seus defensores tiveram, enfim, todos os seus enigmas desvendados, todas as máscaras removidas, e os atos ocultos, revelados. Agora lhes resta lançar-se no abismo, como toda boa morte típica de vilões em filmes de terror, gritando "nããããão...". Ou melhor, gritando "#elenããããão..."




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