domingo, 8 de abril de 2018

Lula e as cinco fases do luto

Impasse com a militância petista foi superado pelas técnicas de negociação



Desde a sexta-feira, o país acompanhou ansioso o cumprimento do mandado de prisão do ex-presidente Lula pela Polícia Federal. Causaram aflição, e certamente indignação, as manobras utilizadas por ele para resistir à justiça. Ao invés de voar direto para Curitiba e atender aos termos propostos pelo juiz Sérgio Moro, Lula seguiu para a sede do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, onde rapidamente avolumou-se o número de partidários, prontos para dificultar a ação de qualquer um que aparecesse para tentar prendê-lo. 

Criou-se (ou melhor, o Lula criou) uma situação delicada: uma vez instalado ali, não haveria modo de a polícia entrar e, na verdade, nem como ele próprio sair de livre e espontânea vontade para cumprir a ordem judicial sem o uso da força. Qualquer tentativa de invasão, certamente resultaria em caos. O que fazer? Comentarias falavam no uso de gás lacrimogêneo, sprays de pimenta, balas de borracha, jatos d'água, etc, enquanto dentro do seu bunker Lula era dissuadido por seus advogados do que certamente deve ter sido a sua (tola) ideia inicial de resistir à prisão. O relógio corria até expirar o prazo para sua apresentação voluntária.

Logo, jornalistas e espectadores país afora apressaram-se em criticar o trabalho da Polícia Federal. "Onde já se viu, um criminoso já condenado escolher a hora da sua prisão? Que país sem autoridade! Incompetência!". Lula ridicularizava as instituições do país e punha em risco a segurança dos seus próprios seguidores. A negociação entre sua defesa e a polícia lhe deu ainda a regalia de participar de uma missa no dia seguinte, e ainda de discursar para seus sectários. Acusou-se novamente a polícia de desorganização, amadorismo, de falta de planejamento, etc. Mas será que foi isso mesmo?

Analisando o cenário em que o petista se meteu, percebemos que a saída iria requerer o uso de um pouco de psicologia. E à medida que os acontecimentos se desenvolviam, lembrei de uma teoria chamada As 5 fases do Luto, da psiquiatra americana Elisabeth Kubler-Ross. Seu modelo foi elaborado a partir da identificação das reações psíquicas básicas de pacientes em estado terminal. O luto, nesse caso, não se dá apenas em relação a morte, mas é visto como um processo necessário e fundamental para preencher o vazio deixado por qualquer perda significativa: viagem, emprego, ideias, objetos, etc.

As cinco fases são: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Para um entendimento divertido, acompanhe o vídeo abaixo:


Pode-se facilmente identificar essas 5 fases nos militantes do PT ao longo de todo o processo de prisão do Lula, desde o momento em que o mandado de prisão de Lula foi expedido por Moro. A Negação, para não dizer incredulidade, acompanhou todas as etapas do julgamento de Lula: sua "militância", além dele mesmo, sempre duvidou de que ele pudesse ser julgado, de que seus recursos pudessem ser recusados, e duvidavam também que pudesse ser preso. No entanto, essa realidade chegou.

Ao ser expedida a ordem de prisão, seguidores anunciaram à imprensa que não iriam "esperar passivamente". Surgiram ameaças de que se formaria um "cordão humano" em volta do sindicato, de que se promoveria uma guerra, de que seria acionado o chamado "exército de Stéllide"... mas além do exagero óbvio, as bravatas revelavam mais um estágio se aproximando: era a Raiva, que agora ocupava o lugar da Negação.

A seguir, repórteres noticiaram que os advogados de Lula estavam negociando com a Polícia Federal os termos de sua rendição. Ficou combinado que ele se entregaria no dia seguinte, após uma missa em homenagem a sua esposa e a realização de um discurso. Depois disso, Lula seria levado até o aeroporto, dentro de uma viatura descaracterizada. Era a fase da Barganha entrando em cena.

Aparentemente não houve um estágio de Depressão ali, mas a fase final, da Aceitação, era fundamental. Somente após essa fase os militantes poderiam abandonar seu comportamento de resistência e permitir a atuação da Polícia Federal. Para isso, o discurso de Lula, muito criticado por alguns, desempenhou um papel importante. Apesar de toda a costumeira demagogia política - fez-se uma patética tentativa de imitação do discurso de Martin Luther King, e uma evocação canastrona ao filme V, de Vingança, mas deixemos isso de lado -, seu discurso assumiu ares de conformação e despedida. O tom era nostálgico, com referências a sua longínqua trajetória como líder sindicalista. Predominaram verbos conjugados no passado e, por fim, veio o anúncio de que se entregaria. Mas sua prisão não foi anunciada como uma derrota ou confissão de culpa, ao contrário. Nas suas palavras, seria um modo de mostrar que não tinha medo; de evitar fugir e esconder-se;de "enfrentá-los" e de lutar pela "democracia".

Com essas palavras, veio a ressignificação que faltava. Trata-se de um processo da neurolinguística, que permite às pessoas atribuírem novos significados a acontecimentos, mudando sua percepção de mundo. A temida prisão, que há pouco significava a morte no inconsciente coletivo dos militantes presentes, agora significava a vida, a continuidade e a luta. Não se tratava mais de medo, mas de coragem. O Lula não iria desaparecer pois, no seu lugar, surgiriam milhares de Lulas, na forma dos seus seguidores. A Aceitação pôde, por fim, encontrar seu espaço.

O elemento-chave era o tempo, pois era preciso aguardar que as mensagens surtissem seu efeito. Ao término do discurso, Lula se recolheu ao prédio do sindicato, e ali ele aguardou. A multidão devia fazer o seu papel e se dispersar. Por isso, mesmo o prazo de 24 horas dado por Moro, que muitos julgaram ser uma regalia que dava ao Lula o "controle da situação", foi crucial para deixar agir o efeito dramático. Tanto é assim que, momentos depois do discurso, grande parte da multidão realmente se afastou. A necessidade de expressar a insatisfação fora satisfeita. E embora ainda tenham restado manifestantes, os últimos fanáticos do culto a Lula ansiosos para auto imolar-se no altar do seu ídolo, sua saída foi imensamente facilitada por todo o trabalho previamente aplicado.

Posso estar enganado, mas acredito que tenha havido o dedo de psicólogos ou dos negociadores da Polícia Federal nesse discurso, e somente o Lula poderia fazê-lo. Portanto, onde alguns viram negligência ou falta de planejamento, eu percebo uma grande e importante elaboração. Graças a ela, a justiça hoje pôde ser cumprida sem que as centenas de pessoas que foram lá para se machucar, tivessem que realmente ser machucadas pra isso. É um importante feito para o nosso país, ainda tão desacostumado a ver o cumprimento da justiça, porém tão acostumado a assistir cenas de violência. Que este possa ser o início de um novo caminho para nós, nesses tempos dolorosos, mas que, com o despontar de cada vitória, enfim atravessamos.


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