sábado, 23 de julho de 2016

Sensação de pertencimento X Sensação de estar em casa


Uma das concepções mais difíceis de se alcançar nas teorias sobre liderança é a de como o líder poderia garantir o comprometimento e a fidelidade dos seus seguidores, fazendo com que esses sentimentos brotem espontaneamente do seu espírito de união, independentemente das recompensas financeiras e da busca pelo status social.

A técnica que tenho até aqui concebido para isso consiste numa tentativa de criar no subordinado um senso de pertencimento. Não o pertencimento do indivíduo ao grupo social na esfera do seu trabalho, embora esse efeito também seja desejável por ser catalizador de uma maior autoestima, mas um senso de que o ambiente, os objetos e as responsabilidades do trabalho lhe pertencem. Talvez também fosse adequado chamar isso de um senso de propriedade. A verdade é que ninguém se importa em cuidar daquilo que não é seu. O indivíduo precisa enxergar a si mesmo como proprietário em alguma instância. Seguindo este pensamento, em todo o lugar, seja numa cidade, numa repartição pública ou empresa privada em que impere uma desordem e uma má administração, geralmente visível pela deterioração do seu patrimônio e por um certo ar de sonolência, desleixo, às vezes até brutalidade dos seus colaboradores, é porque o sentimento de pertencimento está ausente.

No seu lugar, muitas vezes, assume um vil usurpador, que por falta de nome melhor chamarei de "sensação de estar em casa". O colaborador que é vítima dessa fatal moléstia apresenta sempre sintomas muito claros para um diagnóstico preciso:

  • falta de formalidade no trato e no vestuário;
  • desmazelo na aparência: cabelo, barba ou unhas por fazer;
  • postura preguiçosa e aspecto sonolento;
  • déficit de atenção: a diligência que antes movia o funcionário para o cliente agora é substituída por uma apatia que o mantém entretido com uma revista, celular ou rádio;
  • falta de sorrisos; comportamento inamistoso: é sempre terrível para o cliente chegar a um estabelecimento em que os atendentes estão a conversar à vontade, a ponto de não terem se dado conta de sua presença, tendo então de interrompê-los e  ficando com a sensação de 'estar atrapalhando'.
Então, ao contrário da sensação de pertencimento, em que o indivíduo mobiliza suas forças internas para o cumprimento do seu objetivo organizacional, a sensação de estar em casa decorre de um completo abandono e desinteresse por ele. O pior problema é que, após algum tempo, esse estado tende a se tornar irreversível: o funcionário torna-se impaciente, recusa-se a aprender algo novo; fica indignado diante das tentativas de reciclagem; assume uma postura de revanchismo contra os superiores que tentam normatizar o seu comportamento; chega a provocar propositalmente perdas para a empresa ou para o cliente. Com o tempo será impossível manter um colaborador com um comportamento tão disfuncional.

O melhor é alimentar desde cedo nos funcionários uma atitude de pertencimento. Nela o colaborador é estimulado a exercer uma autoridade de proprietário sobre o seu ambiente. Embora possa haver uma resistência de início, devido ao período de adaptação à mudança cultural, com o tempo podemos adquirir esse hábito.

Um bom lugar para começar é exercendo o controle do espaço. Ele é o seu território. Deve estar organizado e limpo. Em relação a esse aspecto, entram em jogo certos princípios vitais geneticamente herdados, que fazem parte psiquê pré-histórica do ser humano. Hábitos e instintos que são muito facilmente contrariados pelas demandas modernas. Existem algumas ações simples que podem despertar o gosto pelo controle do território: pedir que adapte a posição dos móveis a seu gosto; que mantenha uma ornamentação pessoal, como fotos de família, quadros, etc; que elabore códigos de ética ou normas de convivência que possam ser afixadas. As pessoas precisam sentir que aquilo com o que têm de lidar diariamente lhes pertence, construir um vínculo afetivo com seu local de trabalho. Todos acreditamos que estamos no mundo por um motivo, todos queremos deixar nele algo nosso, pintar algo dele com as nossas cores, deixar a nossa marca. Em certa medida, a organização pode se beneficiar dessa necessidade tão humana.

Os americanos possuem um termo formidável, que transparece bem esse espírito: "Not on my watch", que quer dizer, "não na minha vigília", o que significa que o indivíduo tomou completamente  a responsabilidade dos acontecimentos, mesmo os que possam ser mais imprevisíveis, para si.

Colocando em prática alguns desses fundamentos, pode-se inspirar no colaborador uma sensação autêntica de pertencimento. O pertencimento é o fundamento da sensação de autoridade, a sensação de ter direito sobre algo. Fundamento do respeito por si mesmo e da motivação para que possa demandá-lo dos demais. Da sensação de pertencimento podemos esperar altos níveis de comprometimento.

 

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