terça-feira, 5 de julho de 2016

Contra uma "Cultura do Estupro"



É difícil ficar indiferente a tudo o que tem se postado ultimamente sobre cultura do estupro, principalmente quando o termo deixa de ser veiculado somente por leigos e passa a ser utilizado por intelectuais da estatura de Leandro Karnal. Acho perigosíssimo, na verdade. Esse termo foi cunhado em 1970 por um movimento americano feminista considerado radical, que almejava uma ampla revolução na sociedade que, se levada a termo, não resultaria numa liberação feminina, mas numa sociedade autoritária e retrógrada. Mas cá estamos nós, padronizando na nossa sociedade de 2016 esse termo radical e, com isso, habituando-nos, sem perceber, a uma forma radicalizada de refletir e de pensar.

Ocorre aqui o mesmo erro de julgamento apressado que vemos no dia-a-dia em todo lugar: um pouco de generalização, um demasiado catastrofismo, pensamentos de extremos motivados por sentimentos de uma justa indignação, mas que se baseia somente numa visão estreita e distorcida da realidade é nas emoções do momento.

Então vivemos numa cultura do estupro? Será mesmo? Somos todos educados informalmente para estuprar? As próprias mulheres não estariam então imunes a uma tal cultura, suponho. Essa tese resiste a uma análise superficial? Vejamos...

Nessa suposta cultura do estupro, são também considerados estupro as piadas machistas, o assédio sexual, a diferente formação moral que vigora entre os sexos, as formas de trabalho, de infância e um sem-fim de miudezas culturais, que subitamente descobrimos representar uma violência abominável. Humrum... Então, seguindo essa mesma linha de raciocínio, que tal se de hoje em diante considerássemos agressão física como tentativa de homicídio. Ou tomássemos os protestos de rua como terrorismo. E as ameaças, pela sua concretização...

Também temos um número alto de atropelamentos na nossa sociedade. Será então que vivemos numa "cultura do atropelamento"? E quanto ao alto número de homicídios? Parece que vivemos numa "cultura do homicídio" também. E o tráfico de drogas, ah, esse com certeza, vivemos numa "cultura do tráfico" que naturaliza o consumo de drogas e culpa o usuário pelo seu vício... Será que esses comportamentos podem ser mesmo isolados uns dos outros em culturas compartimentadas que não se comunicam e não têm absolutamente nada em comum?

O que existe mesmo é um processo educacional fraco, e um fraco avanço civilizatório em determinadas regiões que impede que os valores mais básicos de convivência social se aprofundem, e com isso gere pessoas que dirigem mal, que são desonestas, que agridem umas às outras, e roubam, que estupram, etc.

Mas tem um problema nessa explicação: ela te deixa frustrado (você, adepto da tese da cultura do estupro). Ela tira de você o saco de pancadas em quem você queria bater. O que você sente na verdade é uma necessidade de agredir alguém, pra compensar a frustração que você sofreu: o seu emprego que não deu certo, o seu político que perdeu, aquela vida que lhe bateu. Você precisa explicar o mundo agora de um jeito que te libere pra extravasar. Você precisa de um inimigo pra gastar suas energias. Algum do tipo hediondo e imperdoável. Algum que não te cause remorso insultar, espancar, mutilar seus geniais, aprovar a pena de morte contra ele é ainda dormir com a consciência tranquila da justiça que se cumpriu e de todas as vítimas inocentes a quem você protegeu.

Parece que no final temos todos a nossa forma individual de interpretação de mundo (e de justificar nossos atos nele), seja com convicção, ignorância ou uma sociologia ruim, mas no final você (ou até mesmo a Pitty) precisará de uma que não difame os maridos responsáveis, os pais que acompanham suas filhas todos os dias à escola, os irmãos que acompanham suas irmãs às festas, não para denegri-las, mas para demonstrar o seu afeto. Pra cuidar.

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