domingo, 25 de outubro de 2015

A corrupção e nossa cultura hedonista

O atalho para os ícones de auto-realização





Apesar de muito se discutir sobre corrupção esses dias, uma coisa para a qual não me parece ser dada a devida atenção é o quanto ela é resultado da cultura extremamente hedonista e materialista que temos. E isso seria válido não só para o aumento da corrupção, mas também dos crimes mais violentos que assolam o país e que mais recentemente têm aumentado em nossa cidade.


Isso porque os desvios de verba milionários das licitações, tanto quanto os assaltos dos bandidos comuns, parecem ter como principal propósito o financiamento de certos prazeres banais: baladas à la “rei do camarote”, caríssimas drogas ilícitas (menos caras do que as lícitas, no entanto), orgias sultanescas e objetos de consumo quaisquer, ícones de status social... Talvez possamos ter subestimado em que medida as pessoas possam abrir mão das boas regras de convivência humana, da paz e civilidade, do art. 37 da CF no caso de alguns, meramente em nome disso: a necessária flexão de valores morais no usufruto de uma experiência hedonista para a qual o seu mero salário jamais poderia dar conta...

Não de bom grado se reconhece como alimentamos isso. Não só pelas festas periódicas do Carnaval, pela Semana Santa, pelo São João, e o Carnaval Antecipado e as inúmeras X-Folias no espaço entre elas (por excesso de espaço, pudemos importar o Halloween, espero que ainda chegue a vez da camisa havaiana) seguindo até o Natal e recomeçando o ciclo, mas as nossas escolas estão repletas dela, e nos cursinhos ainda podemos encontrá-la. Ela está na promessa de um futuro bem-sucedido que, ao final do esforço acadêmico, estará materializado numa casa com piscina, num carro tunado, nos iPods e nas drogas lícitas das farras ainda “inocentes” dos estudantes, enfim, nos mesmos objetos de desejo que atualmente têm motivado os escândalos de corrupção de que ora tanto nos queixamos.

Não que esses objetos em si sejam a causa do problema, mas sim a nossa educação, entendida não como a educação deste ou aquele sistema escolar, mas muito acima disso, como a nossa formação (na escola e fora dela), que parece ter se tornado muito eficaz em definir os fins que devemos perseguir, mas muito menos rigorosa em nos esclarecer quanto aos meios e os limites para tanto.

E sem pudor poderíamos dizer que nas nossas escolas e universidades, a dedicação dos alunos está comprometida com esse mesmo ideal de consumo, o qual mesmo com o mais zeloso esforço  de sua carreira profissional pode vir a não se concretizar. A percepção dessa possibilidade (e a sua não aceitação) torna-se logo a justificativa  ideológica para o desenvolvimento de um novo tipo de potencial: o de ter que se dar bem a qualquer custo.

Por mais que pudéssemos crer ainda que a corrupção tem uma causa no desvio de personalidade deste ou daquele sujeito em particular, a verdade é que desde cedo nós a estamos industrializando. A corrupção pode significar perda financeira coletiva, deteriorar o convívio social e comprometer a vida de gerações atuais e futuras... mas é também um atalho para os ícones de sucesso arduamente perseguidos numa cultura hedonista cultivada por anos em bancos de escolas, de universidades, em redes de relacionamento de falsas amizades meticulosamente preparadas que, ao final, devem a todo custo produzir o seu tão aguardado resultado: o acesso a objetos de consumo, em relações também consumistas, transmutados depois em uma espécie de "medalhas", e catalisadores de um duradouro, ainda que falso, sentimento de autorrealização.

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